Após uma primeira parte em fevereiro que explorou algumas das tendências predominantes, dos estilos emergentes e dos principais filmes e cineastas do cinema iraniano no período que antecedeu a revolução, a segunda parte deste Ciclo conclui-se em março com o mapeamento do que a revolução de 1979 trouxe ao cinema iraniano e do que lhe retirou, nas últimas quatro décadas. “Uma história de resistência cultural, desobediência silenciosa e fricção” nas palavras do programador Ehsan Khoshbakht , colaborador especial da Cinemateca na organização desta extensa revisitação da cinematografia iraniana, e que assina também o texto de apresentação que se segue e o conjunto de notas (exceto quando indicado) sobre os filmes a exibir. Para além de uma seleção de 18 longas-metragens produzidas entre 1979 e 2015, exibimos também em março duas obras anteriores à revolução: o seminal KHESHT O AYENEH/“Tijolo e Espelho”, de Ebrahim Golestan” (que teve uma das duas exibições previstas em fevereiro cancelada por um problema técnico) e ainda SHAZDEH EHTEJAB/”Príncipe Ehtejab”, de Bahman Farmanara, de que só agora foi possível obter uma cópia projetável.   

«1979. A revolução iraniana caiu nas mãos dos islamistas. Está em curso uma purga, que força os cineastas à reforma antecipada, ao exílio e ao silêncio. Mas o cinema não está morto. Uma noite, a televisão iraniana transmite GAAV/”A Vaca” (Dariush Mehrjui, 1969), um dos poucos filmes pré-revolucionários ainda permitido devido à ausência de mulheres sem hijab. Nessa noite, o “líder supremo” Ayatollah Khomeini liga a televisão e apanha o filme. Alguns dias depois, num discurso público, declara que “não somos contra o cinema, somos contra imoralidade e a obscenidade”. Usando o filme que tinha visto recentemente como exemplo, Khomeini continua dizendo “os nossos filmes devem ser como GAAV”. Esse evento, puramente casual, contribuiu enormemente para salvar o cinema iraniano de uma maior destruição por parte dos fundamentalistas, ou até mesmo da proibição total. Mas surge assim um paradoxo: como é que os próprios cineastas, cujo trabalho é essencialmente definido como cinema de dissidência, podem ser autorizados a trabalhar num novo clima político que é marcado pela repressão? Noutras palavas, o produto cultural conhecido como “A Vaca era desejado, mas não o contexto social que levou à sua criação. As pessoas mais pessimistas viram isto como um convite à “bovinidade”. O cinema iraniano foi nacionalizado e a Farabi, instituição governamental, supervisionou cada aspeto da sua produção e distribuição. “Embora as perspetivas para o cinema iraniano fossem sombrias, a proibição geral de vídeos domésticos, da televisão por satélite, e da distribuição de filmes estrangeiros forçou as pessoas a voltarem aos cinemas. Isto adiou um colapso total”, escreveu o crítico iraniano Nima Hassani-Nasab, que também argumentou que a noção de cinema do Estado era “um cinema sem estrelas, um cinema contra o ‘entretenimento”. O hijab obrigatório e o nível de censura sem precedentes, implicaram que os filmes iranianos fossem pensados de uma nova maneira em termos de representação das mulheres, dos dramas domésticos, da vida familiar e da intimidade. Foram forjadas novas convenções cinematográficas. Era necessária uma mudança de mise-en-scène. No entanto, foi a antiga Nova Vaga que veio em socorro. Foram os pioneiros da Nova Vaga que não tinham partido para o exílio que mantiveram a chama do cinema acesa, no sombrio rescaldo da revolução iraniana. O seu profissionalismo, os seus conhecimentos técnicos, e a sua visão crítica do Irão sob o comando do Xá, foram temporariamente considerados úteis pelo novo regime.  Assim, foi-lhes concedida a possibilidade de concluir o trabalho que tinha sido interrompido no imediato rescaldo da revolução.

Uma dessas figuras, Amir Naderi, reavivou o interesse pelo cinema iraniano com DAVANDEH/”O Corredor” (1984). Bahram Beyzaie, com o seu simbolismo rico, regressou com uma série de filmes, entre os quais BASHU, GHARIBEYE KOOCHAK / “Bashu, o Pequeno Estrangeiro” (1986), que desempenhou a mesmo papel que DAVANDEH (que foi montado por Beyzaie) tinha tido dois anos antes. Quando estes filmes, juntamente com os trabalhos de Abbas Kiarostami – que rapidamente se tornará a exportação cinematográfica mais famosa do Irão -, foram vistos no estrangeiro, deram a impressão de que o cinema iraniano se resumia agora a histórias sobre crianças de grupos desfavorecidos e minorias. Mas, na realidade, seguiam-se, ao mesmo tempo, também outras direções. Um exemplo interessante é Nasser Taghvai, que também foi para o sul do Irão, que tinha sido devastado pela guerra, e realizou um thriller. O seu NAKHODA KHORSHID/”Capitão Khorshid” teve como fonte principal Ernest Hemingway e relembrou-nos como, desde os anos 60, o cinema iraniano tem sido constantemente fomentado pela literatura, quer através de obras de escritores iranianos contemporâneos quer de autores estrangeiros.  Nenhum outro realizador beneficiou tanto da literatura quanto Dariush Mehrjui, seja no período antes da revolução como naquele que lhe seguiu. Na década de 1980, Mehrjui atravessava uma mudança de foco e até de estilo. Em vez de continuar a retratar os mais desfavorecidos que viviam em pequenas cidades e aldeias, o tipo dominante nos seus filmes dos anos 60 e 70, Mehrjui ficou fascinado com a vida dos intelectuais de classe média, perdidos entre a modernidade e a tradição. Tudo se tornou mais pessoal do que social.  

Outro ciclo de filmes que surgem juntamente com os filmes de guerra financiados pelo Estado (conhecidos como o género “defesa santa”) é o cinema “sagrado”, que não se configura tanto como um género, mas como um conceito geral que a fundação Farabi (o maior órgão na indústria do cinema iraniano) promovia como abordagem “espiritual” ao cinema, tratando questões centrais da vida numa perspetiva semi-humanista, e baseando-se na moralidade islâmica. Este foi o período em que a noção de alma surgiu definida pelo Estado na ausência de permissão para mostrar o corpo. Dentro desta abordagem, foram feitos vários filmes banais e sem chama, mas, de entre os exemplos descomprometidos que ofereciam uma visão única e poética encontramos NAR-O-NAY/”Romã e Cana-de-Açúcar” (Saeed Ebrahimifar, 1989). No entanto, o que não se esperava era a emergência de novas vozes distintas que faziam parte de um movimento revolucionário e não necessariamente no seu lado progressista. Alguns, como Mohsen Makhmalbaf, eram estritamente anti–cinema no início, mas começaram a interessar-se gradualmente por este meio para difundir ideias revolucionárias sob a forma de propaganda. Acabaram por ser transformados pelo poder do cinema. Chegou o momento em que começaram até a questionar as suas próprias identidades revolucionárias através da experimentação da forma no cinema, e o meio começou a sobrepor–se à ideologia. A mais notável realizadora do período pós-revolucionário – uma das tantas que foi para trás da câmara, ainda que com um véu – foi Rakhshan Banietemad, cuja transição do documentário de propaganda “anticapitalista” para os dramas socialistas realistas e independentes sobre mulheres trabalhadoras tem sido um dos mais espantosos exemplos da evolução do cinema iraniano no pós-revolução. Outro antigo documentarista e praticante de cinema experimental, Kianoush Ayyari, o menos conhecido dos mestres do cinema pós-revolucionário, oferece um forte sentimento de humanismo nas suas histórias sobre sobrevivência e resiliência, num país que tinha fechado as suas portas à classe social que, supostamente, devia soerguer. 

Contudo, o milagre do cinema pós-revolucionário foi Abbas Kiorastami que, depois de 20 anos a produzir filmes incessantemente, obteve, repentinamente, o reconhecimento que tanto merecia. O seu estilo tinha amadurecido, mas havia também um desejo de ver imagens de um Irão cada vez mais desconectado do resto do mundo. Além disso, uma geração de realizadores iranianos que desejavam o sucesso internacional de Kiarostami começou a “fazer [como] Kiorastami”. Como Paul Oliver escreveu a propósito da música blues, que atrai artistas que não sabem tocar nem cantar, também a abordagem [enganadoramente] simples de Kiarostami à realização cinematográfica era como areia movediça, para a qual muitos se aventuraram casualmente, mas da qual poucos conseguiram sair vivos artisticamente. Dos “filhos de Kiarostami” alguns encontraram a sua própria voz e visão, afastando-se claramente do mundo do homem que admiravam. Jafar Panahi, Bahman Ghobadi e, em menor medida, Mohammad Rasoulof emergiram nesse contexto. Estes cineastas capturaram rapidamente o clima turbulento de uma sociedade moralmente à deriva, cuja indiferença e crueldade para com os pobres, as mulheres e as minorias já não podia ser varrida para debaixo de um extravagante tapete persa. Em 10 anos, à medida que os seus filmes se tornaram cada vez mais militantes e intrigantemente meta-cinema, estas vozes também foram forçadas ao autoexílio e à prisão.  Estas figuras beneficiaram muito com chegada do digital, que permitia produções independentes e de baixo orçamento. Foi aí que o controlo do Estado sobre o cinema iraniano acabou, mesmo que o Estado continuasse a pressionar os cineastas a fazerem tudo de acordo com o manual e seguindo os “procedimentos oficiais” (até há dez anos qualquer retrospetiva de cinema iraniano organizada fora do país poderia ser realizada através das instituições estatais como a Farabi. Este programa na Cinemateca, que inclui mais de cinquenta filmes, foi concebido inteiramente sem a sua presença ou apoio, o que pode ser interpretado como um sinal de mudança).

Os paradoxos referidos no início deste texto, corroeram silenciosamente o cinema iraniano a partir de dentro. Estes paradoxos não impediram a vaga de inovação, mas trouxeram muito rancor e agonia. Quem tentar argumentar que a censura pode levar a uma explosão de criatividade deve olhar para o exemplo do cinema iraniano pós–revolucionário, em que as inovações iniciais e os desvios influentes das formas convencionais não duraram muito. Além disso, muitas das caraterísticas atribuídas ao cinema iraniano dos últimos 40 anos, e amplamente admiradas, já existiam nesse cinema antes da revolução. Um cineasta iraniano é, frequentemente, um artista esgotado, que sofre tremendamente o fardo avassalador da censura. A censura mata o cinema. A vaga constante de filmes ricos e intrigantes do Irão não morreu, mas a dor e as baixas artísticas tornaram-se insuportáveis. Este programa saúda a bravura, a poesia e a visão dos cineastas iranianos.» (Ehsan Khoshbakht)


Quinta-feira [09] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Quinta-feira [16] 19h30 | Sala Luís de Pina

DAVANDEH

“O Corredor”
de Amir Naderi
com Madjid Niroumand, Abbas Nazeri, Musa Torkizadeh
Irão, 1984 – 94 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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A obra-prima autobiográfica de Amir Naderi sobre Amiro, um adolescente órfão que tenta melhorar a sua vida aprendendo a ler, foi o primeiro filme iraniano do período pós-revolução a ser visto internacionalmente, e marca o início de uma vaga constante de bons filmes que emergiram daquele país nos anos 80 e 90. Brilhantemente montado por Bahram Beyzaie, realizador da Nova Vaga iraniana, o filme mantém-se simultaneamente aberto – como as suas paisagens do Golfo Pérsico – e abstrato, como a luta do seu protagonista para compreender e conquistar um mundo repleto de hostilidade e indiferença. Este filme é um triunfo glorioso do cinema sobre o desespero, e da vida sobre a destruição, uma vez que foi realizado num período em que o sul do Irão sofria bombardeamentos constantes por parte do regime de Saddam Hussein. A única apresentação do filme na Cinemateca aconteceu em 1992. A exibir em cópia digital.


Sábado [11] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro

KHESHT O AYENEH

“Tijolo e Espelho”
de Ebrahim Golestan
com Taji Ahmadi, Zackaria Hashemi, Goli Bozorgmehr
Irão, 1964 – 133 min / legendado em inglês e eletronicamente em português | M/12

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A primeira verdadeira obra-prima moderna do cinema iraniano é uma exploração dostoievskiana sobre o medo e a responsabilidade. Um conto de um taxista em busca da mãe de uma bebé abandonada em Teerão. Com um título alusivo a um poema de Attar (“O que o velho pode ver num tijolo de barro / o jovem consegue ver num espelho”), o filme move-se entre o realismo e o expressionismo. Uma negra e inesquecível imagem de uma sociedade corrompida e alienada. A apresentar na versão digital restaurada que faz jus à visão original do realizador e que inclui no final cenas eliminadas na montagem e nunca anteriormente vistas.


Segunda-feira [13] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Quarta-feira [29] 19h00 | Sala Luís de Pina 

NAKHODA KHORSHID

“Capitão Khorshid”
de Nasser Taghvau
com Dariush Arjmand, Ali Nassirian, Saeed Poursamimi
Irão, 1987 – 118 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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No início da década de 1960, o capitão de um navio, que ganha a vida com o contrabando de mercadorias no Golfo Pérsico, é abordado por um certo Farhan, que lhe propõe a tarefa de fazer sair do país clandestinamente um grupo de ativistas políticos. Partindo de Ter e Não ter de Ernest Hemingway (que já Howard Hawks tinha adaptado ao cinema), o realizador Nasser Taghvai, cujos filmes dos anos 60 e 70 se mantém os mais subestimados da Nova Vaga iraniana, teve um grande regresso comercial e artístico com este filme emocionante que, apesar da produção difícil e caótica, conseguiu reestabelecê-lo como uma das forças vitais do cinema iraniano e um dos seus mais competentes contadores de histórias.  Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Terça-feira [14] 19h30 | Sala Luís de Pina
Terça-feira [28] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro

BASHU, GHARIBEYE KOOCHAK

“Bashu, o Pequeno Estrangeiro”
de Bahram Beyzaie
com Susan Taslimi, Parviz Poorhosseini, Adnan Afravian
Irão, 1986– 120 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Um rapaz órfão escapa do sul devastado pela guerra e chega às margens verdes do mar Cáspio no norte, mas ninguém na região de língua Gilaki consegue compreender a língua deste jovem estrangeiro que apenas fala árabe. Rapidamente uma habitante local o toma sob sua proteção e começam a procurar formas de comunicar. Este regresso pós-revolucionário de uma figura veterana do teatro, da literatura e da Nova Vaga iraniana, Bahram Beyzaie, foi inicialmente banido por três anos, devido à sua visão pacifista e ambígua sobre a guerra entre o Irão e o Iraque. É uma obra notável, especialmente no que toca ao uso da linguagem, que funciona como o motor principal da narrativa, através da qual traumas de guerra e de deslocamento se abrem com um toque poético inesquecível. Com performances excecionais do ator juvenil Adnan Afravian, interpretando um refugiado de guerra, e de Susan Taslimi, cuja colaboração com Beyzaie remonta a finais dos anos 70, este é um filme essencial. A única apresentação anterior de BASHU na Cinemateca data de 1992.


Quarta-feira [15] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro

NAR-O-NAY

“Romã e Cana-de-Açúcar”
de Saeed Ebrahimifar
com Jahangir Almasi, Ali Asghar Garmsiri, Rasul Najafian
Irão, 1989 – 100 min /  legendado eletronicamente em português | M/12

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Neste filme visualmente cativante, um fotógrafo encontra um homem mais velho, que acaba de ter um ataque cardíaco. Leva o desconhecido para o hospital e, enquanto espera por novidades sobre a sua situação, começa a ler o seu diário. O diário retrata a vida do homem, desde a sua infância na cidade de Kashan, até à idade adulta, quando se torna calígrafo. Contado num estilo completamente visual e muitas vezes desprovido de diálogo, esta foi uma tentativa consciente de criar um cinema de poesia, pelo qual o cinema pós-revolucionário, pelo menos nas suas fases iniciais, ficou conhecido. Os poemas lidos no filme são de Sohrab Sepehri (também de Kashan, cujos poemas deram o título ao filme ONDE FICA A CASA DO MEU AMIGO? de Kiarostami) que, por sua vez, são lidos por outro poeta, Ahmad-Reza Ahmadi. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Sexta-feira [17] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro

NAMA-YE NAZDIK

Close Up
de Abbas Kiarostami
com Hossain Sabzian, Mohsen Makhmalbaf, Abolfazl Ahankhah
Irão, 1990 – 98 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Indiscutivelmente a maior obra do cinema sobre o poder e a beleza do medium cinematográfico, este filme complexo é, de facto, um trabalho filosófico que revigorou os géneros do documentário e da narrativa ficcional, esbatendo muitas vezes as fronteiras entre os dois.  Conta a história de Hossain Sabzian, um homem ocioso e cinéfilo, que alega ser o realizador iraniano Mohsen Makhmalbaf, de modo a entrar na casa de uma família. Sabzian acaba por ser exposto por um jornalista e levado a julgamento por fraude. Porém, as suas ações levam-no a encontrar-se face a face com um outro renomado realizador, Kiarostami, que faz um filme sobre ele. Esse homem irá depois encontrar Makhmalbaf pessoalmente. Uma mentira torna-se realidade, mas é impossível saber até que ponto esta realidade permanece uma mentira. Uma obra-prima comovente, e composta por várias camadas, CLOSE UP é também a demonstração da futilidade de qualquer tentativa de fazer uma distinção clara entre documentário e ficção. A exibir em cópia digital.


Sexta-feira [17] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro

HAMOUN

de Dariush Mehrjui
com Ezzatolah Entezami, Bita Farahi, Khosro Shakibai
Irão, 1990 – 120 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Um intelectual de meia-idade à beira do colapso nervoso embarca numa jornada semi-alucinatória de dúvidas existenciais e desespero, na qual Dariush Mehrjui faz referência a Fellini (como se vê nas fascinantes sequências de sonhos) e a Woody Allen (através da história de um casamento em crise). Esta comédia negra mostra “uma sociedade de terceiro mundo invadida pela Toshiba e pela Sony, em que os personagens se fixam nas suas conexões a Kiekergaard e Salinger” (Goodfrey Cheshire). O filme foi feito durante uma vaga de filmes iranianos que se debruçavam sobre questões espirituais e o Sofismo, cujo objetivo era fazer uma ponte entre as tradições dos místicos e a vida urbana moderna. A vaga durou pouco tempo e o ciclo produziu muitos filmes péssimos. Porém, HAMOUN, devido à sua montagem (rápida e elíptica), à representação dos atores (a performance brilhante de Khosro Shakibai na personagem do título) e à realização dinâmica de Mehrjui, tornou-se um absoluto clássico de culto no cinema iraniano e o segundo trabalho de Mehrjui mais admirado pelos iranianos depois de GAAV/“A Vaca”.


Segunda-feira [20] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Quinta-feira [30] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro

PARDEHE AKHAR

“O Último Ato”
de Varuzh Karim-Masihi
com Farimah Farjami, Dariush Arjmand, Niku Kheradmand
Irão, 1991 – 110 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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«Varuzh Karim-Masihi pertence à minoria arménia do cinema iraniano, a qual deu a esse cinema alguns dos seus melhores realizadores (entre os quais Samuel Khachikian e Arby Ovanessian). Após ter trabalhado como assistente de realização de alguns mestres da Nova Vaga como Bahram Beyzaie (RAGBAR/“A Chuvada”, BASHU, GHARIBEYE KOOCHAK/“Bashu, o Pequeno Estrangeiro”), e Mohammad Reza Aslani (SHATRANJ-E BAAD/“Xadrez do Vento”), Karim-Masihi estreou-se relativamente tarde, mas com um filme que lhe garantiu instantaneamente um lugar no panteão dos gigantes do cinema iraniano. Este filme é uma revisitação iraniana de GASLIGHT de Cukor, uma história emocionante sobre uma mulher que viaja até uma velha casa para reclamar a herança do seu falecido marido, mas é confrontada com a traição da família deste.  Um drama absorvente com toques de crime e horror, combinados com o amor pela representação e o teatro, assim como por Hitchcock, a história tendo como pano de fundo alguns dos mais importantes acontecimentos da história do Irão nos últimos 100 anos. Magistralmente realizado e exibindo a destreza da equipa de produção envolvida, com um grande elenco, este tornou-se um dos clássicos pós-revolucionários do cinema iraniano.» (Nima Hassani-Nasab)


Segunda-feira [20] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro

VA ZENDEGI EDAME DARAD

E a Vida Continua
de Abbas Kiarostami
com Farhad Kheradman, Buba Bayour
Irão, 1992 – 95 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Cinco anos após a produção de KHANE-YE DOUST KODJAST?/Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, que tornou Kiarostami um nome familiar no circuito dos festivais internacionais, um terramoto atingiu a região onde o filme foi originalmente gravado, tendo provocado cinquenta mil mortes. Kiarostami, abalado com a notícia, levou uma pequena equipa para fazer um documentário sobre a busca pelo rapaz que aparece nesse filme mas a certa altura decidiu fazer um dos seus famosos desvios à procura de sinais de vida na área devastada. O resultado, o majestoso E A VIDA CONTINUA, é uma das obras mais comoventes de Kiarostami e um longo poema que nunca perde o sentido de humor e um espírito lúdico. É um filme autónomo que pode ser visto sem nenhum conhecimento do filme anterior. É também um remake autorreflexivo do primeiro filme em que, em vez do rapaz, é o filme, isto é, o próprio cinema, que procura a casa do amigo. A exibir em cópia digital.


Terça-feira [21] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro

NUN VA GOLDUN

“Um Momento de Inocência”
de Mohsen Makhmalbaf
com Mirhadi Tayebi, Ali Bakhsi, Ammar Tafti
Irão, 1996 – 78 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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«Uma das mais inspiradoras e acessíveis reconstruções [de Makhmalbaf] de um acidente crucial da sua adolescência, o qual o colocou na prisão por diversos anos durante o regime do Xá. Um fundamentalista e ativista naquele período, Makhmalbaf esfaqueou um polícia; por consequência, foi alvejado e preso. Duas décadas depois, enquanto fazia audições para o seu filme SALAAM CINEMA, encontrou o mesmo polícia, agora desempregado, e os dois acabaram por colaborar neste filme sobre um incidente que os envolvia a ambos, tentando (com câmaras separadas) reconciliar as versões do que tinha acontecido. Apesar de, indubitavelmente, ter sido parcialmente motivado por CLOSE UP, de Kiarostami, é uma experiência e uma investigação humanista fascinante por si só, cheia de calor e humor, bem como de mistério.» (Jonathan Rosenbaum)


Terça-feira [21] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Quinta-feira [30] 19h30 | Sala Luís de Pina

BOODAN YAA NABOODAN

“Ser ou Não Ser”
de Kianoush Ayari
com Asal Badeei, Farhad Sharifi, Hossein Ilbeygi
Irão, 1998 – 94 min / legendado eletronicamente em português | M/12

«Kianoush Ayari é uma das figuras proeminentes do Cinema-ye Azad (Cinema Livre) no Irão, um movimento cinéfilo na produção cinematográfica amadora que emergiu no final dos anos 60 com o apoio do Estado. Ayari, cujo amor tanto pelo realismo como pelo cinema modernista o tinha levado, anteriormente, a recriar LADRI DI BICICLETTE em ABADANI-HA, no seu oitavo filme conta a história de uma mulher cristã que necessita urgentemente de um transplante de coração. Ela tenta convencer a família em luto de um muçulmano recém-falecido – morto durante uma discórdia na noite do seu casamento – a permitir a doação de órgãos. Com uma câmara fluída e um tom documental, o filme conquistou o coração dos espectadores e, passando pelo labirinto da religião e da tradição na sociedade iraniana, chega a uma nobre noção de altruísmo e humanismo. Este drama tenso revela novas dimensões dessa sociedade em cada reviravolta. O pulsar do filme é como o bater do coração da protagonista, sempre prestes a parar. Na vida real, a atriz do filme morreu jovem e a sua família doou os seus órgãos – uma trágica premonição cinematográfica.» (Nima Hassani-Nasab) Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Quarta-feira [22] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Terça-feira [28] 19h30 | Sala Luís de Pina

SHAZDEH EHTEJAB

“Príncipe Ehtejab”
de Bahman Farmanara
com Jamshid Mashayekhi, Fakhri Khorvash, Valiyollah Shirandami
Irão, 1974 – 93 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Um dos melhores filmes iranianos sobre a decadência, SHAZDEH EHTEJAB é baseado num livro do renomado romancista iraniano Houshang Golshiri centrado num dos últimos membros da dinastia Qajar. Enquanto o seu corpo é devorado pela tuberculose e a sua mente é devastada pelo passado de brutalidade e repressão da sua dinastia, o aristocrata relembra a sua vida numa série de complexos e elegantes flashbacks que entretecem a história do Irão com a psicologia da personagem. Vencedor do prémio de melhor filme no Festival Internacional de Cinema de Teerão, Farmanara, que também se destacou como produtor (é dele a produção de SHATRANJ-E BAAD/“Xadrez do Vento”, exibido na primeira parte deste Ciclo), presta uma atenção escrupulosa aos figurinos, aos cenários e à direção de fotografia. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Quarta-feira [22] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Sexta-feira [31] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro

ZIR-E POOST-E SHAHR

“Sob A Pele da Cidade”
de Rakhshan Banietemad
com Golab Adineh, Mohammad Reza Forutan, Baran Kosari
Irão, 2001 – 92 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Esta história envolvente de uma família da classe operária em Teerão e da luta da figura materna para manter a família unida é realizada por um dos mestres do cinema realista iraniano e um dos grandes talentos emergentes depois da revolução. Como escreve Laura Mulvey, o “filme sintetiza a maneira como o realismo e o melodrama são, de maneiras diferentes, estilisticamente importantes para os dramas de opressão social e injustiça,” para contar a história “das crises enraizadas na desigualdade de classe e género no Irão contemporâneo.” Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Quinta-feira [23] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro

ZAMANI BARAYÉ MASTI ASBHA 

Um Tempo para Cavalos Bêbedos
de Bahman Ghobadi
com Ayoub Ahmadi, Rojin Younessi, Amaneh Ekhtiar-dini
Irão, 2000 – 80 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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As provações de uma família curda que atravessa um inverno terrível perto da fronteira entre o Irão e o Iraque. A família é encabeçada por um rapaz de doze anos que sustenta todos os outros membros e cuida do irmão com deficiência. “Retratar as adversidades enfrentadas pelos curdos era, até um então, um tabu, embora já tivessem sido documentadas numa curta-metragem precedente de Ghobadi”, escreve o crítico iraniano Hamid-Reza Sadr. “A abordagem crua e rigorosamente minimal de Ghobadi, num estilo de documentário filmado com câmara à mão, foi temperada pela profunda ligação emocional partilhada pelos três irmãos retratados e pelo fascínio das suas representações naturalistas. [O filme ofereceu] um retrato social amplo da geração jovem, e mostrou a natureza complexa e problemática que enfrenta no Irão.” Primeira apresentação na Cinemateca.


Quinta-feira [23] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Quarta-feira [29] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro

DAST-NEVESHTEHAA NEMISOOSAND

“Os Manuscritos Não Ardem”
de Mohammad Rasoulof
com M. Ali Nazarian, Ramin Parham
Irão, 2013 – 125 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Em 1998, durante um curto período de relativa liberdade de imprensa no Irão, os jornais revelaram a história aterradora de mais de 80 assassinatos políticos que tinham sido levados a cabo pelo regime islâmico desde finais dos anos 80. Conhecidos como os “homicídios em cadeia”, as vítimas eram intelectuais, escritores, tradutores, ativistas políticos. DAST-NEVESHTEHAA NEMISOOSAND, que tem como ponto de partida estes crimes, foi gravado clandestinamente dentro e fora do Irão. Combinando elementos de vários homicídios numa única narrativa, o filme humaniza a sua história sombria ao focar-se num dos assassinos. Apesar da terrível missão que lhe é conferida, esse homem está preocupado com o filho hospitalizado, e tenta angariar dinheiro para as despesas médicas. Este é um dos mais arrebatadores e corajosos dramas políticos feitos durante a última década do cinema iraniano. Primeira apresentação na Cinemateca.


Sexta-feira [24] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Sexta-feira [31] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro

CHAHARSHANBE-SOORI

“Quarta-Feira de Fogos de Artifício”
de Asghar Farhadi
com Hamid Farrokhnezhad, Hedieh Tehrani, Taraneh Alidoosti
Irão, 2006 – 112 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Rouhi, uma jovem empregada doméstica, começa a trabalhar para um casal de classe média de Teerão na última quarta-feira do ano, conhecida como “quarta-feira de fogos de artifício”. Ela observa a vida de uma esposa que está convencida da infidelidade do marido, acreditando que ele tem uma relação extraconjugal com a vizinha cabeleireira. O terceiro filme de Farhadi foi um êxito inovador e um ponto de viragem no seu estilo cinematográfico, em que conseguiu combinar realismo social com melodrama moderno e elementos inovadores de suspense. Havia também algo mais: a juventude. O talento de Farhadi , bem como os seus argumentos afiados, tornaram-se ainda mais efetivos quando encontrou esta equipa de atores, a sua maioria na casa dos trinta anos. Os novos atores (Hedieh Tehrani, Taraneh Alidoosti) trouxeram consigo um ar de urgência e mudança ao universo em que Farhadi estava a afirmar-se rapidamente. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Sexta-feira [24] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro

ZEMESTAN

“Inverno”
de Raffi Pitts
com Mitra Hajjar
Irão, 2006 – 86 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Iniciando-se com músicas e imagens memoravelmente belas, esta terceira longa-metragem de ficção de Rafi Pitts – um iraniano com formação feita em Londres, cujo filme precedente tinha sido um documentário sobre Abel Ferrara – é uma fábula sóbria e rigorosa que se assemelha um pouco a uma reelaboração de THE POSTMAN ALWAYS RINGS TWICE.  Um homem, recentemente desempregado, apanha um comboio para procurar trabalho no estrangeiro, deixando à sua sorte a jovem e atraente esposa, bem como uma filha e a mãe. Passam-se vários meses sem receber notícias do marido e, compreensivelmente, começam a surgir dúvidas sobre se ainda estará vivo. Um mecânico atraente e ousado, recém-chegado à periferia da cidade onde vivem, repara na mulher que agora se diz ser viúva, e começa a rondá-la na esperança de chamar a sua atenção. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Sábado [25] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Quarta-feira [29] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro

TALAYE SORKH

Sangue e Ouro
de Jafar Panahi
com Hossain Emadeddin, Kamyar Sheisi, Azita Rayeji
Irão, 2003 – 97 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Um dos melhores filmes de Jafar Panahi, SANGUE E OURO é baseado num guião de Abbas Kiarostami inspirado numa notícia de um estafeta de pizzas em Teerão que alvejou um joalheiro e, em seguida, disparou contra si próprio. Numa referência ao neorrealismo, Panahi contratou um verdadeiro empregado de pizzaria, o qual, no decurso das filmagens, revelou sofrer de uma doença mental grave, aumentando a sensação de mal-estar do filme e tornando o breakdown pelo qual a personagem passa assustadoramente real. Rico na sua visão franca e inquietante sob os atritos causados pelo ressentimento de classe e a repressão política, a exibição do filme foi banida no seu país de produção. A exibir em cópia digital.


Segunda-feira [27] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Quinta-feira [30] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro

GILANEH

de Rakhshan Banietemad, Mohsen Abdolvahab
com Fatemah Motamed-Aria, Bahram Radan, Baran Kosari
Irão, 2005 – 80 min | legendado eletronicamente em português | M/12

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Primeira mulher realizadora a obter o prémio principal do Festival de Teerão, Banietemad tem pintado ao longo de quase quatro décadas um retrato preciso do seu país em ficções e em documentários. GILANEH começa em 1988, no final da guerra entre o Irão e o Iraque. A viúva Gilaneh acompanha a filha grávida da sua aldeia até Teerão, onde esperam encontrar o marido desta, que desertou do exército e do qual não têm notícias desde então. No caminho para Teerão, encontram um fluxo de pessoas que fogem da cidade. A jornada torna-se uma viagem até à escuridão, ao medo e a perigos tangíveis. Em 2003, 15 anos após o fim dessa guerra, reencontramos uma Gilaneh envelhecida e cuidando abnegadamente de seu filho Ismael, que voltou da guerra destruído de corpo e alma. Primeira apresentação na Cinemateca.


Segunda-feira [27] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Sexta-feira [31] 19h30 | Sala Luís de Pina

HERFEH: MOSTANADSAZ

“Profissão: Documentarista”
de Sepideh Abtahi, Shirin Barghnavard, Mina Keshavarz, Firouzeh Khosrovani,  Nahid Rezaei, Sahar Salahshoor, Farahnaz Sharifi
Irão, 2014 – 80 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Um dos mais notáveis documentários iranianos underground feito nos últimos dez anos, é uma reflexão sobre a censura, a paranoia mediática, a discriminação de género e o que significa ser uma mulher cineasta no Irão, tendo sido feito coletivamente por sete mulheres. As realizadoras decidem estabelecer um diálogo com a sua sociedade, umas com as outras, e com elas próprias. Este último transforma cada um dos sete segmentos num diário pessoal e numa sala escura de confissões. Por isso, apesar de ser, efetivamente, um trabalho coletivo, e de cada realizadora ter sido assistida pelas outras seis durante as filmagens e na montagem do seu segmento, o resultado consegue manter a voz distinta de cada uma delas. Primeira apresentação na Cinemateca.

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