Uma série televisiva recente, dirigida por Ethan Hawke a partir de documentos biográficos encontrados entre o legado do pai pelas filhas de Paul Newman e Joanne Woodward, reavivou o interesse por estas duas figuras, cuja vida pessoal (e o matrimónio de cinquenta anos) se tornou tão mítica quanto a vida profissional. Desde o momento em que se conheceram, em meados dos anos 50, nunca mais estiveram muito longe um do outro, numa proximidade que se estendeu ao trabalho no cinema – que frequentemente teve origem na própria vida pessoal, assim como não deixou de ser um peso sobre essa vida pessoal, numa espécie de movimento sempre em duplo sentido. Foi, por exemplo, pelas obrigações familiares que Joanne se foi afastando do trabalho assíduo no cinema, depois do nascimento das filhas; foi, por exemplo, como uma forma de compensar Joanne por esse afastamento que Newman se tornou realizador em 1968, com RACHEL, RACHEL, trazendo-a para quase todos os filmes posteriores que realizou (a exceção, e acidental, é SOMETIMES A GREAT NOTION, que não era para ter sido dirigido por ele).

Uma das “teses” da série de Hawke é que no trabalho conjunto de Paul e Joanne existe, de forma mais deliberada ou mais fortuita, um eco ou reflexo permanente da sua vida pessoal, e que de algum modo nos filmes que fizeram juntos ficou inscrita uma espécie de biografia de um matrimónio. Este Ciclo, no fundo, põe essa “tese” à prova: vamos mostrar todos os filmes (com uma exceção) em que os nomes de Newman e Woodward tenham coexistido no genérico – na maior parte das vezes as presenças deles também coexistem no ecrã, e frequentemente como protagonistas, noutras vezes, nos filmes em que Newman foi só realizador e produtor, apenas se vê Joanne, mas é sempre, e talvez ainda mais nestes últimos casos, uma história dos dois aquilo se conta.

A exceção que referimos acima é uma ausência: a de SHADOWBOX, um telefilme dirigido por Newman em 1980 de que hoje não se consegue encontrar cópia, em qualquer formato, que seja digno de ser projetado. Compensamos com SOMETIMES A GREAT NOTION, o único dos filmes realizados por Newman sem a presença de Joanne.

Vamos então ver uma obra a dois, que se estende por quase cinquenta anos de cinema americano, e cá estaremos para verificar a influência de Paul Newman e Joanne Woodward no comportamento dos espectadores de cinema.


Quarta-feira [01] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Sexta-feira [03] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro

THE LONG HOT SUMMER

Paixões que Escaldam
de Martin Ritt
com Paul Newman, Joanne Woodward, Lee Remick, Anthony Franciosa, Orson Welles
Estados Unidos, 1958 – 115 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Dirigido por Martin Ritt, que se tornaria um dos realizadores preferidos de Paul Newman, e com um argumento baseado numa mescla de três histórias de William Faulkner, THE LONG HOT SUMMER é um filme cheio de “sangue novo” de uma geração de atores (a maior parte vinda do Actors’ Studio) que começava a tomar conta do cinema americano – aqui posta em diálogo com a imponência de Orson Welles, que interpreta, em modo de grand guignol, o papel de patriarca de uma família do sul dos Estados Unidos. Newman ganhou o prémio de interpretação em Cannes, fazendo de 1958 (ano em que estrearam também RALLY ROUND THE FLAG, BOYS!, THE LEFT-HANDED GUN e CAT ON A HOT TIN ROOF) um ano decisivo na sua afirmação. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Quarta-feira [01] 19h30 | Sala Luís de Pina
Segunda-feira [06] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro

RALLY ROUND THE FLAG, BOYS!

A Morena Ardente
de Leo McCarey
com Paul Newman, Joanne Woodward, Joan Collins
Estados Unidos, 1958 – 106 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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A última e hilariante grande comédia de Leo McCarey, agora à volta da luta que uma mulher à frente de uma comunidade (Joanne Woodward) trava contra a instalação na zona de uma base de mísseis, enquanto a pin up local (Joan Collins) vai seduzindo o seu marido (Paul Newman). É um filme do mesmo ano do casamento de Newman e Woodward, e o espírito de “lua de mel” foi inteiramente (e divertidamente) captado por McCarey.


Quinta-feira [02] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Terça-feira [07] 19h30 | Sala Luís de Pina

FROM THE TERRACE

Do Alto do Terraço
de Mark Robson
com Paul Newman, Joanne Woodward, Myrna Loy
Estados Unidos, 1960 – 149 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Paul Newman e Joanne Woodward como protagonistas de um casamento sem amor: ele é um jovem candidato a executivo que casa por interesse com a herdeira de uma bem-relacionada família nova-iorquina. Era o terceiro filme em que Newman e Woodward contracenavam, mas foi um dos menos bem-sucedidos, e ficou um tanto esquecido. As críticas da época apontaram defeitos a quase tudo (argumento, realização, excessiva duração), menos aos atores – e certamente que eles, tanto o par central como os coadjuvantes, são razão de sobra para que se redescubra FROM THE TERRACE. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Sexta-feira [03] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Quarta-feira [08] 19h30 | Sala Luís de Pina

PARIS BLUES

Noites de Paris
de Martin Ritt
com Paul Newman, Sidney Poitier, Joanne Woodward
Estados Unidos, 1961 – 98 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Sidney Poitier (Eddie Cook) e Paul Newman (Ram Bowen) são dois músicos americanos que trabalham num clube parisiense. Um filme sobre jazz, mas também sobre o racismo americano, em contraste com a atmosfera mais aberta de Paris. No filme encontramos Louis Armstrong e o pianista Aaron Bridgers em excelentes interpretações. A música foi escrita por Billy Strayhorn e por Duke Ellington.


Segunda-feira [06] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro

A NEW KIND OF LOVE

Um Novo Tipo de Amor
de Melville Shavelson
com Paul Newman, Joanne Woodward, Thelma Ritter
Estados Unidos, 1963 – 110 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Nesta época, 1963, com o nascimento das filhas, Joanne Woodward já começava a pôr um travão numa carreira que meia dúzia de anos antes parecia imparável. E A NEW KIND OF LOVE, uma comédia ambientada nos meios da moda parisiense, era um projeto que lhe era caro (“queria divertir-me, brincar com as perucas e com os vestidos”) e para o qual “arrastou” o marido Paul Newman. Sob a direção de Melville Shavelson, resultou num filme divertido, espumante, onde Newman e Woodward exibem, talvez pela última vez nos filmes que fizeram juntos, uma impressão de felicidade desassombrada. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Quinta-feira [09] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Sábado [25] 19h30 | Sala Luís de Pina

THEY MIGHT BE GIANTS

Encontro Marcado
de Anthony Harvey
com George C. Scott, Joanne Woodward, Jack Gilford
Estados Unidos, 1971 – 91 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Uma comédia, ou tragicomédia, ambientada num fundo psiquiátrico e que cruza uma vaga inspiração no Dom Quixote (aonde vai buscar o título original) com as aventuras das mais famosas personagens criadas por Arthur Conan Doyle. Woodward é uma psiquiatra de apelido Watson, e chega-lhe às mãos o caso de um indivíduo (George C. Scott) que se toma por Sherlock Holmes. É o bastante para lançar uma série de peripécias que se desenrolam por vezes num tom surrealizante. Paul Newman não é ator, mas não está longe: foi um dos produtores do filme. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Sexta-feira [10] 19h30 | Sala Luís de Pina
Quarta-feira [15] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro

WUSA

Muro de Separação
de Stuart Rosenberg
com Paul Newman, Joanne Woodward, Anthony Perkins
Estados Unidos, 1970 – 115 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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O título original, WUSA é a designação de uma estação radiofónica do Sul dos Estados Unidos que difunde propaganda racista e reacionária, e que neste filme é o centro nevrálgico da ação. Newman não realizou, mas produziu, chamou Stuart Rosenberg (com quem tivera gosto em trabalhar em COOL HAND LUKE) para a realização, e o filme é sobretudo um projeto pessoal dele, que reflete, nesta investigação das mais sinistras profundezas políticas dos EUA, o seu crescente interesse, a partir da segunda metade dos anos 60, pela participação ativista na vida política americana. É um filme estranho, singular, não totalmente bem compreendido no seu tempo – mas talvez hoje, em 2023, pareça subitamente mais “atual”. Primeira apresentação na Cinemateca.


Segunda-feira [13] 19h30 | Sala Luís de Pina
Sexta-feira [17] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro

THE DROWNING POOL

Sangue Frio em Água Quente
de Stuart Rosenberg
com Paul Newman, Joanne Woodward, Anthony Franciosa
Estados Unidos, 1975 – 108 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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Newman retoma a personagem do detetive Harper (que interpretara cerca de dez anos antes no HARPER de Jack Smight), para uma história passada nos bayous da Louisiana que tenta encontrar o espírito, ao mesmo tempo violento e irrisório, de uma certa linhagem do policial americano dos anos 70. Adaptado de um romance de Ross MacDonald, tem entre os argumentistas o jovem Walter Hill, que nesse mesmo ano de 1975 se estrearia como realizador. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.


Quinta-feira [16] 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro

HARRY AND SON

O Confronto
de Paul Newman
com Paul Newman, Robby Benson, Ellen Barkin, Joanne Woodward
Estados Unidos, 1984 – 120 min / legendado em português | M/12

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Dirigido e interpretado por Paul Newman, HARRY AND SON é um filme sobre o conflito e a busca de entendimento entre gerações. Paul Newman é Harry, um trabalhador da construção civil que não se adaptou à condição de viúvo, e tem uma relação difícil com o filho que se esforça por reconquistá-lo. Newman equilibra habilmente a narrativa entre a emoção e o humor, sendo que os reflexos biográficos são fortíssimos: HARRY AND SON é o filme do luto e da expiação da morte de Scott Newman, filho de Paul, sucedida no final dos anos 70.


Quinta-feira [16] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Segunda-feira [20] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro

RACHEL, RACHEL

Raquel, Raquel
de Paul Newman
com Joanne Woodward, James Olson, Kate Harrington
Estados Unidos, 1968 – 101 min / legendado eletronicamente em português | M/12

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O começo da obra de Paul Newman como realizador, que se inicia como uma oferta para Joanne Woodward. Joanne tinha-se encantado com o argumento que Stewart Stern extraíra de um romance da escritora canadiana Margaret Laurance e queria muito filmá-lo no papel da protagonista. Mas Joanne tinha passado a década de 60 em trabalhos no cinema intermitentes, e já não tinha o star power de dez anos antes, nem a capacidade de convencer alguma major a erguer um projeto em torno da sua figura. Newman decidiu produzir e realizar, como se oferecesse à mulher um mundo alternativo onde ela ainda era a maior das estrelas. É um filme belíssimo, com uma Joanne sublime no papel de uma professora de liceu da província dividida entre a sua solidão e a mãe dominadora de quem ao mesmo tempo tem que cuidar. A grandeza do filme foi reconhecida logo na época: no New York Times escreveu-se que RACHEL, RACHEL era “o filme mais bem escrito e mais seriamente interpretado em muitos anos de cinema americano”. A única exibição do filme na Cinemateca aconteceu em 1998.


Sexta-feira [17] 19h30 | Sala Luís de Pina

MR. AND MRS. BRIDGE

O Sr. e a Sra. Bridge
de James Ivory
com Paul Newman, Joanne Woodward, Margaret Welsh, Robert Sean
Reino Unido, Estados Unidos, 1990 – 125 min / legendado em português | M/12

11-MR. AND MRS. BRIDGE

O último filme que Paul Newman e Joanne Woodward fizeram juntos como protagonistas, e inteiramente construído à medida deles. Tão à medida que a relação entre as suas personagens, o Sr. e a Sra. Bridge, prevalece sobre tudo o resto (do retrato de época, anos 40, ao confronto familiar entre o conservadorismo dos mais velhos e o progressismo dos mais novos), como mais um – o derradeiro – jogo de espelhos biográficos. Valeu a Joanne a última das quatro nomeações para um Oscar (de que ganhou apenas na primeira vez, por THE THREE FACES OF EVE, em 1957). O filme foi apenas uma vez exibido na Cinemateca (em 2009).


Terça-feira [21] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Terça-feira [28] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro

THE EFFECT OF GAMMA RAYS ON MAN-IN-THE-MOON MARIGOLDS

A Influência dos Raios Gama no Comportamento das Margaridas
de Paul Newman
com Joanne Woodward, Nell Potts, Robert Wallach, Judith Lowry
Estados Unidos, 1972 – 100 min / legendado eletronicamente em português | M/12

12_1-THE EFFECT OF GAMMA RAYS ON MAN-IN-THE-MOON MARIGOLDS

Terceiro filme realizado por Paul Newman, com argumento adaptado de uma peça teatral famosa dos anos 1970 e de novo protagonizado por Joanne Woodward, aqui na pele de uma viúva mãe de duas filhas compondo uma das suas maiores personagens. THE EFFECT OF GAMMA RAYS… lida com o espaço familiar – questão recorrente nos filmes de Newman-realizador, tema reforçado ainda através das escolhas do elenco: Nell Potts, a protagonista adolescente, era (e é) filha de Woodward e Newman. A exibir em cópia digital.


Quinta-feira [23] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Segunda-feira [27] 19h30 | Sala Luís de Pina

WINNING

A Grande Competição
de James Goldstone
com Paul Newman, Joanne Woodward, Robert Wagner
Estados Unidos, 1969 – 123 min / legendado eletronicamente em português | M/12

Em parte, este filme foi determinante para que Paul Newman descobrisse a sua paixão pelas corridas de automóveis. É nesse mundo que tudo se passa (incluindo cenas filmadas em corridas reais), com o ator a interpretar a personagem de um piloto que, obcecado pela ideia de vencer as 500 milhas de Indianapolis, põe em cheque o seu casamento – numa “dobra” com a vida real (é Woodward quem faz o papel da mulher do piloto) que não deixava de funcionar, nesta altura, e mais ou menos assumidamente para os dois cônjuges, como uma reflexão catártica do seu matrimónio. Primeira apresentação na Cinemateca.


Segunda-feira [27] 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro 

SOMETIMES A GREAT NOTION

Os Indomáveis
de Paul Newman
com Paul Newman, Henry Fonda, Lee Remick
Estados Unidos, 1971 – 108 min / legendado eletronicamente em português | M/12

14_1-SOMETIMES A GREAT NOTION

O segundo filme realizado por Paul Newman, mas de forma praticamente acidental. Apesar de o projeto de adaptar o romance de Ken Kesey (o mesmo autor do livro que uns depois daria origem a ONE FLEW OVER THE CUCKOO’S NEST) ter tido vários candidatos de peso à realização (nomeadamente Sam Peckinpah e Budd Boetticher), a escolha recaiu no obscuro Richard A. Colla. Mas Colla despediu-se, ou foi despedido, ainda numa fase inicial da rodagem, e para não perder tempo Newman (que além de ator era um dos coprodutores) decidiu assumir as rédeas da realização. É um filme excelente e muito mal conhecido, centrado numa família de madeireiros do Oregon com tendência para uma espécie de conservadorismo rebelde e desafiador. Henry Fonda, como patriarca, é fabuloso, e o filme tem pelo menos duas cenas (ambas cenas de morte) que são antológicas: a morte do patriarca e a morte do irmão da personagem de Paul Newman.


Terça-feira [28] 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro

THE GLASS MENAGERIE

Algemas de Cristal
de Paul Newman
com Joanne Woodward, John Malkovich, Karen Allen, James Naughton
Estados Unidos, 1987 – 134 min / legendado em português | M/12

15-THE GLASS MENAGERIE

O derradeiro trabalho de Paul Newman como realizador e a terceira adaptação da peça homónima de Tennessee Williams ao cinema. A extraordinária sensibilidade de Newman na direção de atores faz desta versão um verdadeiro festival da arte de representar, apoiado num elenco excelente (e encabeçado por Joanne Woodward). Mas é também uma inteligente adaptação do espaço teatral ao cinema, na forma como a câmara circula pelo que é, praticamente, um cenário único, captado pela fotografia do grande operador Michael Ballhaus.

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