Ariel de Bigault é uma realizadora francesa, profunda conhecedora da história e da cultura portuguesas, que tem levado a cabo uma das mais consistentes e empenhadas indagações cinematográficas sobre a história do racismo que liga Portugal ao resto do mundo lusófono. Remonta aos retratos que fez de artistas afro-brasileiros, em 1987, ÉCLATS NOIRS DU SAMBA, entre eles, de Paulo Moura e Gilberto Gil, esse questionamento crítico das raízes da discriminação racial que ainda hoje persiste e, com essa tomada de consciência, sobreveio a vontade de dar visibilidade às comunidades em sofrimento e marginalizadas.

De qualquer modo, antes de ter partido para o Brasil, a sua primeira preocupação foi a de filmar, em registo de cinema vérité, MULHERES EM LUTA (título raro, filmado em 8 mm, que por razões de preservação não será exibido neste ciclo), no Portugal sob o efeito da Revolução de Abril; documentou ainda o mundo de duas crianças com síndrome de Down, numa produção que intitulou EDUARDO E FERNANDO, e, por fim, em ESTÃO A VER-NOS?, deu expressão aos sonhos de uma criança cega. O título deste filme é premonitório de muito do que se seguiu, ainda que seja sobretudo na voz, e não nos olhos, que Bigault encontrou as principais formas de resistência ao racismo. Aliás, a arte costuma surgir nos seus filmes como um modo de libertação e denúncia de situações, mais ou menos veladas, de injustiça, de desespero e de pobreza.

Não menos importante que o seu trabalho no cinema são as duas coletâneas de música cabo-verdiana e angolana que ajudou a editar nos anos 90 do século passado. Por “estar tudo” na música cantada por homens e mulheres africanos ou descendentes de africanos, Bigault preencheu uma parte importante da sua carreira “colecionando” as vozes de quem se expressa fundamentalmente através de canções: em MARGEM ATLÂNTICA, após um retrato multigeracional de imigrantes africanos vivendo em Lisboa chamado AFRO LISBOA, Bigault regressou à capital para falar com músicos de ascendência africana, ao passo que, em CANTA ANGOLA, encontrou em Luanda ecos do passado esclavagista e tons que vibram perante o sofrimento dos nossos dias. FANTASMAS DO IMPÉRIO, em certa medida, substituiu a música pelas imagens do cinema, aquelas que ainda vão resistindo ao processo de não-inscrição do passado colonial no nosso imaginário coletivo: um filme que diz “olhem para o passado” ou, citando o seu filme iniciático, “estão a vê-lo?”.

Aquando da passagem de FANTASMAS DO IMPÉRIO, em 2020, na Cinemateca Portuguesa, Ariel de Bigault explicitou deste modo o que constitui para si o espaço do documentário: “O filme é um espaço de encontro e de diálogo de obras, de pessoas, de criadores. Todos os meus filmes são muito diferentes na forma, mas não têm comentário, porque é o meu olhar, não é um ponto de vista. O meu olhar abrange vários olhares. (…) Através desses diálogos, o espectador pode criar o seu ponto de vista.” O Ciclo Ariel de Bigault: Margens Atlânticas está integrado no programa da Temporada Portugal-França 2022.


Segunda-feira [19] 19:00 | Sala M. Félix Ribeiro

FANTASMAS DO IMPÉRIO

de Ariel de Bigault
Portugal, França, 2020 – 111 min | M/12

Com a presença de Ariel de Bigault

4-FantasmasBotelho.

Cineasta particularmente sensível aos problemas da representação dos imigrantes e do passado colonial no cinema falado em português, a documentarista Ariel de Bigault vira-se agora para o tema do imperialismo lusitano e o discurso de propaganda que lhe está associado. Face às imagens do cinema português, e com a ajuda de realizadores como Fernando Matos Silva, João Botelho, Margarida Cardoso, Hugo Vieira da Silva e Ivo Ferreira), Ariel de Bigault delega no ator são-tomense Ângelo Torres e no angolano Orlando Sérgio, o papel de guias numa narrativa que se propõe despertar velhos fantasmas no coração do imaginário coletivo português.


Terça-feira [20] 19:30 | Sala Luís de Pina

CARIOCAS, LES MUSICIENS DE LA VILLE

de Ariel de Bigault
França, Canadá, Suíça, 1987 – 58 min

PAULO MOURA, UNE INFINIE MUSIQUE

de Ariel de Bigault
França, Canadá, Suíça, 1987 – 56 min

duração total da projeção: 114 min | M/12

com a presença de Ariel de Bigault
2-PAULO MOURA UNE INFINIE MUSIQUE
PAULO MOURA, UNE INFINIE MUSIQUE

Dois filmes realizados no Brasil numa produção multinacional chefiada por Ariel de Bigault, intitulada ÉCLATS NOIRS DU SAMBA, numa época em que os documentários sobre músicos ainda não estavam na moda, tão-pouco sobre artistas afro-brasileiros. Conduzida pelo ator e cantor brasileiro Grande Otelo, Bigault vai ao Rio de Janeiro para revelar a história – e os segredos – do samba. Músicos afro-brasileiros, tais como Martinho da Vila e Zé da Velha, participam nesta viagem ao coração da mais popular música brasileira. Paulo Moura, músico de infinitos talentos (clarinetista, saxofonista, compositor, etc.), é a grande figura do jazz na série documental de Bigault: “Na sua música você reconhece diversas influências e matrizes. Ele pegou no que havia antes e pôs em diante”, nota no filme o escritor e historiador Joel Rufino dos Santos. Primeiras apresentações na Cinemateca.


Quarta-feira [21] 19:30 | Sala Luís de Pina

GILBERTO GIL, LA PASSION SEREINE

de Ariel de Bigault
França, Canadá, Suíça, 1987 – 57 min

ZÉZÉ MOTTA, LA FEMME ENCHANTÉE

de Ariel de Bigault
França, Canadá, Suíça, 1987 – 56 min

duração total da projeção: 113 min | M/12

com a presença de Ariel de Bigault
3-GilbertoGil
GILBERTO GIL, LA PASSION SEREINE

Dois filmes realizados no Brasil, uma produção multinacional chefiada por Ariel de Bigault, intitulada ÉCLATS NOIRS DU SAMBA, com a participação de Grande Otelo. Zézé Motta, a inesquecível “Chica da Silva”, é uma das mais audaciosas atrizes e cantoras brasileiras, contando com Gilberto Gil e Chico Buarque no seu reportório musical. Bigault transforma-a num ícone feminista contra o racismo: o que se espera da mulher negra no Brasil contemporâneo e como é ela representada, na música, no cinema e nas novelas? Motta denuncia a marginalização dos negros tanto no cinema como na televisão, sendo este um documentário que se expande a partir da música, atingindo o coração do universo cultural brasileiro. Sereno e apaixonante/apaixonado, Gilberto Gil dá expressão à sua música e disserta sobre as raízes do movimento que fundou, com Caetano Veloso (também no filme), a chamada Tropicália. O futuro ministro da Cultura brasileiro refaz o caminho da música brasileira, permitindo encarar as suas raízes negras e esclavagistas. Primeiras apresentações na Cinemateca.


Quinta-feira [22] 19:30 | Sala Luís de Pina

EDUARDO E FERNANDO

de Ariel de Bigault
Portugal, 1981 – 45 min

ESTÃO A VER-NOS?

de Ariel de Bigault
Portugal, 1982 – 60 min

duração total da projeção: 105 min | M/12

com a presença de Ariel de Bigault

Obras raríssimas, filmadas em 16 mm, documentários produzidos com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, que incidem no mundo da infância: EDUARDO E FERNANDO documenta as brincadeiras e o mundo de duas crianças com síndrome de Down, ao passo que ESTÃO A VER-NOS? mostra os sonhos de uma criança cega, que tem expetativas e que deseja brincar como qualquer outra criança. Primeiras apresentações na Cinemateca.


Sexta-feira [23] 19:30 | Sala Luís de Pina

CANTA ANGOLA

de Ariel de Bigault
França, Portugal, 2000 – 59 min

SI MANERA E FEIA

de Ariel de Bigault
Cabo Verde, 1990– 8 min

TITO PARIS

de Ariel de Bigault
Cabo Verde, 2022 – 12 min

MADREDEUS, LA SIRÈNE DU TAGE

de Ariel de Bigault
Portugal, 2005 – 15 min

LISBOA@COM.FUSION

de Ariel de Bigault
Portugal, 2005 – 11 min

duração total da projeção: 105 min | M/12

com a presença de Ariel de Bigault

5-Canta angola
CANTA ANGOLA

Verdadeira cicerone da música cabo-verdiana e angolana sobretudo em França, Ariel de Bigault documenta em CANTA ANGOLA a paisagem musical de Angola, através de alguns dos seus artistas mais talentosos, tais como Carlos Burity, Moises Kalafa, Loures Van Dunem, Paulo Flores e Carlitos Vieira Dias. A música como arma contra a destruição da guerra, a violência e a pobreza reinantes. Face a tudo isto, os angolanos cantam e dançam – festejam, apesar de tudo, e Bigault testemunha o seu exemplo. A ligação à música africana está também patente nesta sessão em videoclipes realizados pela cineasta francesa com artistas ligados à cultura negra: a banda cabo-verdiana Finaçon, o músico cabo-verdiano Tito Paris e as bandas portuguesas Madredeus e Lisboa@com.fusion. Primeiras apresentações na Cinemateca.


Sábado [24] 18:00 | Esplanada

DEBATE: DAS MARGENS PARA O FOCO

Conversa com Ariel de Bigault, Ângelo Torres e outros participantes sobre a presença e a visibilidade – no teatro, televisão e no cinema em Portugal  – dos atores, guionistas, encenadores e realizadores originários das ex-colónias portuguesas.


Sábado [24] 19:30 | Sala Luís de Pina

AFRO LISBOA

de Ariel de Bigault
França, Portugal, 1997 – 60 min

MARGEM ATLÂNTICA

de Ariel de Bigault
França, Portugal, 2006 – 58 min

duração total da projeção: 118 min | M/12

com a presença de Ariel de Bigault
6-AfroLisboa
AFRO LISBOA

Documentário sobre a “Lisboa africana”, com a presença de pessoas divididas entre os seus países de origem – Cabo Verde, Guiné, Angola, Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe – e a sua situação em Portugal e na Europa – o que é a identidade afro-europeia? Trata-se de uma reflexão sobre os estereótipos que minam a relação com a presença das diferentes áfricas nesta nossa paisagem social e cultural. Como é habitual na obra de Bigault, a palavra dita nas ruas da cidade mistura-se com a música e a dança, por exemplo, o sucesso da época Pim Pam Pum, da banda de origem angolana Kussondulola: “Sou um escravo fugitivo / A minha alma está no meio.” Em MARGEM ATLÂNTICA, cantores, compositores e atores são ouvidos sobre a negritude e a relação com o passado colonial: de Mariza a João Afonso, de Cool Hipnoise a Space Boys, de José Eduardo Agualusa a Kalaf Epalanga, de Ângelo Torres ao Teatro do Pau Preto, Ariel de Bigault mostra o país na sua mistura cultural e projeta-a sobre o mundo. MARGEM ATLÂNTICA é apresentado pela primeira vez na Cinemateca.

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